Validade do Contrato Verbal Internacional
A Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG, sigla em inglês), aprovada em 1980 e em vigor desde 1988, rege, em síntese, sobre a formação do contrato, direitos e obrigações das partes envolvidas em uma relação de compra e venda internacional. Atualmente é adotada por quase cem países e tem grande relevância no cenário internacional.
A CISG, apesar de dispor sobre os contratos de compra e venda internacional de mercadorias, não discorre sobre questões gerais do direito contratual, como por exemplo, validade do contrato, de suas cláusulas, ou dos efeitos do contrato sobre a propriedade das mercadorias vendidas (art. 4, CISG)[1] ou da responsabilidade do vendedor por morte ou lesões corporais causadas pela mercadoria vendida (art. 5º, CISG)[2].
Por outro lado, a CISG facilitou o entendimento quanto à formação dos contratos de compra e venda internacionais ao dispor que o contrato será considerado concluído no momento em que a aceitação da proposta se tornar eficaz (art. 23, CISG)[3] e que a proposta poderá ser feita (i) verbalmente, ou (ii) pessoalmente, (art. 24, CISG)[4], desde que seja precisa, dirigida a pessoas determinadas e indicar a intenção do proponente de obrigar-se em caso de aceitação (art. 14, CISG)[5].
Ainda, quanto à aceitação, ela se tornará eficaz no momento em que chegar ao proponente a manifestação, expressa (ex.: e-mail ou carta do destinatário da proposta afirmando que a aceita) ou tácita (ex.: execução do pagamento do valor da proposta, sem necessariamente o destinatário precisar dizer com todas as letras que aceitou a proposta), daquele que recebeu a proposta (art. 18, (2) e (3), CISG)[6]. Importante destacar que apesar de a manifestação tácita ser uma hipótese de aceitação, o silêncio ou inércia, por si só, não importam na aceitação da proposta (art. 18, (1), CISG)[7].
Assim como a proposta pode se dar verbalmente, a aceitação também pode, de modo que quando feita verbalmente é imediata, salvo se de outro modo as circunstâncias indicarem (art. 18, (2), parte final, CISG), como por exemplo, o destinatário aceitar a proposta, mas não efetuar o pagamento no tempo hábil ou combinado entre as partes.
A CISG prevê expressamente no artigo 11 que o contrato de compra e venda não exige instrumento escrito e nem está sujeito a requisito de forma, podendo ser provado por qualquer meio de prova, inclusive, testemunhal.
Portanto, segundo a CISG, a elaboração de um contrato formal escrito é dispensável para que se considere celebrado um contrato internacional de compra e venda de mercadorias. Sendo assim, apesar da validade do contrato verbal ser algo que tem sido aceito aos poucos no Brasil – conforme boletim[8] publicado em junho/2021 por nós – no âmbito das relações internacionais envolvendo compra e venda de mercadorias, não só é válido como amplamente adotado.
Em decisão recente, levando em consideração as disposições da CISG acima mencionadas, a 32ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a existência de contrato de compra e venda internacional de kiwis, apesar de não ter sido formalizado por escrito, confirmando a exigibilidade da dívida da compradora[9].
[1] Artigo 4: Esta Convenção regula apenas a formação do contrato de compra e venda e os direitos e obrigações do vendedor e comprador dele emergentes. Salvo disposição expressa em contrário da presente Convenção, esta não diz respeito, especialmente: (a) à validade do contrato ou de qualquer das suas cláusulas, bem como à validade de qualquer uso ou costume; (b) aos efeitos que o contrato possa ter sobre a propriedade das mercadorias vendidas.
[2] Artigo 5: A presente Convenção não se aplica à responsabilidade do vendedor por morte ou lesões corporais causadas pelas mercadorias a qualquer pessoa.
[3] Artigo 23: Considerar-se-á concluído o contrato no momento em que a aceitação da proposta se tornar eficaz, de acordo com as disposições desta Convenção.
[4] Artigo 24: Para os fins desta Parte da Convenção, se considerará que a proposta, a manifestação de aceitação ou qualquer outra manifestação de intenção “chega” ao destinatário quando for efetuada verbalmente, ou for entregue pessoalmente por qualquer outro meio, no seu estabelecimento comercial, endereço postal, ou, na falta destes, na sua residência habitual.
[5] Artigo 14: (1) Para que possa constituir uma proposta, a oferta de contrato feita a pessoa ou pessoas determinadas deve ser suficientemente precisa e indicar a intenção do proponente de obrigar-se em caso de aceitação. A oferta é considerada suficientemente precisa quando designa as mercadorias e, expressa ou implicitamente, fixa a quantidade e o preço, ou prevê meio para determiná-los.(2) A oferta dirigida a pessoas indeterminadas será considerada apenas um convite para apresentação de propostas, salvo se o autor da oferta houver indicado claramente o contrário.
[6] Artigo 18: (2) Tornar-se-á eficaz a aceitação da proposta no momento em que chegar ao proponente a manifestação de consentimento do destinatário. A aceitação não produzirá efeito, entretanto, se a respectiva manifestação não chegar ao proponente dentro do prazo por ele estipulado ou, à falta de tal estipulação, dentro de um prazo razoável, tendo em vista as circunstâncias da transação, especialmente a velocidade dos meios de comunicação utilizados pelo proponente. A aceitação da proposta verbal deve ser imediata, salvo se de outro modo as circunstâncias indicarem. (3) Se, todavia, em decorrência da proposta, ou de práticas estabelecidas entre as partes, ou ainda dos usos e costumes, o destinatário da proposta puder manifestar seu consentimento através da prática de ato relacionado, por exemplo, com a remessa das mercadorias ou com o pagamento do preço, ainda que sem comunicação ao proponente, a aceitação produzirá efeitos no momento em que esse ato for praticado, desde que observados os prazos previstos no parágrafo anterior.
[7] Artigo 18: (1) Constituirá aceitação a declaração, ou outra conduta do destinatário, manifestando seu consentimento à proposta. O silêncio ou a inércia deste, por si só, não importa aceitação.
[8] LRI Advogados. CONTRATO DE FRANQUIA VERBAL É RECONHECIDO PELO STJ. Julho/2021. Disponível em: https://www.lrilaw.com.br/publicacoes/contrato-de-franquia-verbal-e-reconhecido-pelo-stj/
[9] TJPS, Apelação nº 1017219-07.2017.8.26.0004
Este Boletim foi preparado com propósito meramente informativo; não pode ser tratado como aconselhamento legal e as informações nele contidas não devem ser seguidas sem orientação profissional.