Laboratório e banco poderão usar geolocalização como prova em pedidos de horas extras
Em duas decisões recentes, órgãos colegiados do Tribunal Superior do Trabalho consideraram válido o uso da geolocalização como prova digital para verificar a realização de horas extras. O entendimento foi de que a medida não viola o direito fundamental à privacidade, previsto na Constituição Federal, nem as garantias previstas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
A geolocalização é uma tecnologia que identifica a localização geográfica de uma pessoa por meio de sistemas como GPS, Wi-Fi ou redes de celular. Ela é usada, por exemplo, nos transportes de entrega e por aplicativo, no transporte de carga e, ainda, no controle de ponto de algumas empresas.
Um dos casos, julgado pela Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho, envolve um propagandista vendedor de uma indústria farmacêutica. O trabalhador alegou na ação que trabalhava, em média, 11 horas por dia, além de cerca de 2 horas diárias de atividades burocráticas. Suas atividades eram monitoradas em tempo real por meio de tablet fornecido pela empresa, que utilizava sistema com GPS para fiscalizar o cumprimento das visitas.
A Vara do Trabalho de Santo Ângelo (RS) mandou oficiar operadoras de telefonia para que fornecessem dados de geolocalização dos números telefônicos particular e profissional do vendedor.
Contra a determinação, o trabalhador impetrou mandado de segurança alegando, entre outros pontos, violação de privacidade. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul) entendeu que a ordem judicial violava direitos fundamentais à intimidade e era desproporcional e desnecessária, pois a jornada poderia ser comprovada por outros meios, sem violar seus dados pessoais.
A empresa, então, recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho. O relator do recurso, ministro Douglas Alencar Rodrigues, ressaltou que a utilização de dados de geolocalização é prova digital válida e precisa para apurar jornadas e vínculos trabalhistas, especialmente de quem desenvolve atividades externas. Segundo ele, o processo judicial não pode ficar imune às mudanças trazidas pelas novas tecnologias.
Quanto à questão da privacidade e do sigilo, o relator observou que o direito à prova de geolocalização pode ser exercido sem sacrificar a proteção de dados. “Basta que sejam solicitadas informações estritamente necessárias e que elas fiquem, por determinação do juiz, disponíveis apenas para as partes do processo”, avaliou. “Não há necessidade nem interesse de averiguar e fazer referências aos locais visitados fora do ambiente de trabalho.”
Douglas Alencar lembrou que a LGPD admite a utilização de dados pessoais para o exercício regular do direito em processo judicial. No mesmo sentido, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) permite a requisição de registros e dados armazenados.
Apesar da validade da geolocalização, o ministro ressaltou que a Vara do Trabalho não delimitou de forma adequada a medida. Por isso, o colegiado restringiu a prova aos horários de trabalho indicados pelo trabalhador e ao período firmado no contrato de trabalho. Determinou ainda o sigilo das informações obtidas.
Ficaram vencidos os ministros Vieira de Mello Filho, Mauricio Godinho Delgado e Luiz José Dezena da Silva.
Em outra decisão, a Quinta Turma do TST autorizou o uso da geolocalização para verificar as horas extras de uma bancária de um banco sediado em São Paulo. O pedido havia sido indeferido nas instâncias anteriores.
No recurso ao TST, o banco alegou que vem sofrendo condenações ao pagamento de horas extras e que, muitas vezes, não há como fazer a contraprova. Nesse sentido, sustentou que o uso da geolocalização como prova contribuiria para a celeridade processual e para um julgamento mais justo.
O relator deste caso também foi o ministro Douglas Alencar Rodrigues, que adotou, em seu voto, os mesmos fundamentos do mandado de segurança julgado pela SDI-2.
Por unanimidade, o Tribunal Superior do Trabalho declarou nulos todos os atos processuais a partir do indeferimento da prova digital. Com isso, o processo deve retornar ao primeiro grau para reabertura da instrução processual. A prova da geolocalização também será limitada aos dias e horários informados pelas partes.
Processos: ROT-23369-84.2023.5.04.0000 e RR-0010538-78.2023.5.03.0049
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho
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