Dano indireto e consequencial damage são idênticos?
A negociação de contratos que envolve grandes multinacionais ou companhias sujeitas a diferentes sistemas jurídicos pode apresentar dificuldades significativas decorrentes da interpretação de conceitos jurídicos que, embora pareçam semelhantes, têm significados muito distintos em cada sistema legal.
Um exemplo de tais dificuldades pode envolver cláusulas de limitação de responsabilidade, em que a interpretação de termos como “dano “indireto” pode causar bastante controvérsia.
Adiante, exploraremos as principais diferenças entre os conceitos de dano indireto, derivado do direito brasileiro, e de consequencial damage, da common law.
Dano indireto no direito brasileiro
A indenização no direito brasileiro é pautada pelo tripé da responsabilidade civil, composto pelo ato ilícito, dano e, especialmente, nexo casual. Embora a lei brasileira preveja que somente são indenizáveis os danos “diretos e imediatos”, possibilitando uma interpretação equivocada de que somente os danos cronologicamente próximos ao inadimplemento seriam indenizáveis, a doutrina e jurisprudência brasileira desenvolveram uma interpretação mais sofisticada desse artigo, garantindo que a expressão “direto e imediato” não se referisse à proximidade no tempo ou no espaço, mas sim a um nexo causal necessário.
Deste modo, um dano somente será direto e imediato— e, portanto, indenizável — se ele for uma consequência necessária do inadimplemento. Em outras palavras, o inadimplemento deve ser a causa que, por si só e sem a interferência de outros fatores, produziu o dano. Mesmo danos remotos na cadeia causal poderão ser indenizados, desde que não haja interrupção do nexo por fato de terceiro, caso fortuito, força maior ou falha do credor em mitigar a própria perda.
Importante observar que, no direito brasileiro, a análise da indenizabilidade apenas é possível após o efetivo acontecimento do dano e a avaliação concreta do nexo causal.
Consequencial damages na common law
Diferentemente do direito brasileiro, para a common law, a previsibilidade será o critério central de indenização de um dano. Assim, ainda que exista nexo causal entre dano e ato ilícito, sendo este direto e imediato, é imprescindível que o dano tenha sido ou fosse previsível entre as partes no momento da celebração do contrato para que seja indenizável.
Segundo o raciocínio da previsibilidade do dano para a common law, os danos que não decorrem do curso natural e ordinário do inadimplemento somente serão indenizáveis se o devedor tinha conhecimento (ou deveria ter) dessas circunstâncias no momento da celebração do contrato.
A previsibilidade como ferramenta de eficiência contratual
Com o avanço da globalização, o instituto da previsibilidade contratual, derivado de sistemas jurídicos da Common Law, tem ganhado influência em contextos de negociação internacional, principalmente para países signatários da CISG (Convenção de Viena), que regula contratos de compra e venda de produtos entre países signatários. Esse instrumento normativo, com intuito de reduzir o desequilíbrio de informações entre as partes, prevê em seu artigo 74 o critério da previsibilidade dos danos para que sejam considerados indenizáveis.
Deste modo, a CISG, preocupada em regular o comércio internacional de produtos, impôs o critério da previsibilidade como instrumento de incentivo ao compartilhamento de informações, possibilitando que as partes avaliassem os riscos assumidos em cada negócio celebrado, bem como precificassem corretamente os bens comercializados conforme às necessidades de cada caso.
Sob perspectiva econômica, a regra da previsibilidade lida um problema prático dos negócios: a assimetria de informações. Em outras palavras, pretende-se que a parte tenha conhecimento dos riscos que está assumindo ao ingressar na relação comercial. A regra da previsibilidade, derivada da common law, visa corrigir o desequilíbrio de informações das seguintes maneiras:
- Incentivo à Transparência:Obriga que a parte com riscos especiais e externos a obrigação principal revele informações críticas durante a negociação contratual.
- Alocação de Risco:Considerando que somente os riscos expressamente comunicados serão indenizáveis, cada parte assume o risco comunicado à outra parte, sendo que o risco das perdas “imprevisíveis” permanece com quem o conhecia.
- Cálculo do Risco:Ao receber todas as informações, cada parte pode tomar decisões para mitigar eventuais riscos. Pela perspectiva do fornecedor, por exemplo, pode-se aumentar o preço para cobrir o risco acrescido, contratar um seguro específico ou até recusar o negócio, tornando a alocação de riscos mais justa e eficiente.
Boas práticas contratuais
Diante dessas diferenças estruturais entre os sistemas jurídicos, compreender a diferença entre a abordagem do consequencial damage, limitada pela previsibilidade do dano, e a do dano indireto, baseada na causalidade, é essencial para a gestão estratégica de risco em contratos internacionais. Por isso, recomenda-se que cláusulas de limitação de responsabilidade (a) sejam adequadas e conformes com o sistema jurídico adotado no contrato, (b) sejam precisas, evitando expressões genéricas, (c) descrevam de forma clara o contexto da negociação, (d) explicitem os riscos relevantes e circunstâncias particulares, e (e) detalhem, sempre que possível, quais danos estão excluídos ou incluídos na indenização.
Uma redação alinhada com o sistema jurídico aplicável e a realidade prática da relação comercial, pode não apenas evitar litígios, mas também aumentar a segurança, previsibilidade e eficiência contratual.
Autora: Beatriz Adas Olacyr bdo@lrilaw.com.br)
Departamento de Contratos
Leonardo Bianco lob@lrilaw.com.br
Natalie Carvalho nac@lrilaw.com.br
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