A discussão sobre a caracterização ou não de relação empregatícia entre os motoristas e a Uber não é estranha à justiça brasileira e tem se tornado alvo de discussão intensa nos últimos anos a partir da expansão do trabalho em meios e plataformas digitais. Não há consenso, todavia, dentre a jurisprudência e o tema divide opiniões completamente distintas.
Contudo, em recente decisão, o Tribunal Superior do Trabalho proferiu entendimento que afastou o reconhecimento do vínculo de emprego entre o reclamante e a Uber, considerando a existência de autonomia no desempenho das atividades do motorista, de modo a descaracterizar a subordinação.
Considerou-se como fator determinante para a decisão a possibilidade de o prestador de serviços se desligar da plataforma, circunstância que indica a ausência completa e voluntária da prestação dos serviços em exame, que só ocorre em ambiente virtual.
O Tribunal entendeu, portanto, que não há obrigatoriedade dos prestadores de serviço de se colocarem à disposição das plataformas para receber chamadas para corridas, eis que os trabalhadores podem permanecer dias, semanas ou meses sem efetivamente usar a plataforma. Do mesmo modo, está no âmbito da autonomia do trabalhador recusar a demanda que lhe é ofertada.
Não somente, o fato de caber aos motoristas a aquisição do bem para exercício do trabalho o afasta mais ainda da figura de empregado, uma vez que fica ao encargo dos próprios trabalhadores a manutenção dos carros, de modo a viabilizar a realização do serviço.
O Tribunal ressalta, por fim, que a busca pela proteção ao trabalhador não deve se sobrepor a ponto de inviabilizar as formas de trabalho emergentes, pautadas em critérios menos rígidos e que permitem maior autonomia na sua consecução, mediante livre disposição das partes.
Não obstante, deve-se ter clareza acerca da legislação aplicável aos modelos emergentes, que já se encontram inseridos na organização social, cuja expansão, no presente momento, possui caráter eminentemente irrefreável.
Assim, a partir da definição encontrada, torna-se possível a segurança jurídica nas relações, com a devida proteção jurídica aos trabalhadores nelas envolvidos. Merece ressalto, inclusive, o Projeto de Lei 3748/20, apresentado em 10/07/2020, que institui e dispõe o regime de trabalho sob demanda, definido como aquele em que os clientes contratam a prestação de serviços diretamente com a plataforma.
As expectativas conduzem, portanto, ao reconhecimento da plena autonomia do trabalhador digital, cabendo, portanto, à sociedade e ao legislador atender e suprir a demanda atual de cerca de 4 milhões de brasileiros que seguem trabalhando em aplicativos em atenção à relação híbrida de trabalho cujo viés expansivo torna-se, cada dia mais, irrefutável.